Ainda se vê, mesmo depois do percurso da História da Loucura, da visão de sujeito psicanalítica, do entendimento do cuidar da saúde e a compreensão dela, uma busca por uma resposta em forma de um saber absoluto nos dias de hoje, ou seja, a busca pela a Verdade. Todo saber tem um furo, e hoje não existe mais o médico da Família, o conselheiro da vida e sabedor de tudo o mais. O ato médico mutila o avanço da ciência do sujeito e regride ao tempo em que a arqueologia do poder[1] era considerada um saber. De fato, é em torno da dimensão da subjetividade que ancora a originalidade e o alcance da descoberta freudiana, ou seja, a intricação das três dimensões que estruturam a subjetividade: o desejo, a linguagem e o inconsciente; que aqui, farão parte da discussão do trabalho atual.
A Psicanálise está presente no dia-a-dia das pessoas muito mais do que elas imaginam. E por isso, propor um tratamento psicanalítico é sempre levantar questões importantes, como: a vida das pessoas; a sexualidade; doenças mentais; Família; dentre outros. Por isso, far-se-á necessário uma discussão a seguir com alguns dos pontos relevantes, tanto do ponto de vista das pessoas como dos psicanalistas.
O neurologista alemão Sigmund Freud ao estudar na França com seu mestre Charcot, as paralisias de membros em mulheres, sem lesões cerebrais, no grande hospital na antiga Salpêtrière, que são também conhecidas como paralisias histéricas, ele a partir de então, desenvolve o seu legado. Sendo, portanto, o criador e o inventor da Psicanálise. Anos depois, surge o inigualável psiquiatra francês, Jacques Lacan, que produz o chamado o retorno a Freud, numa tentativa de seguir com o ensino e desenvolvimento da psicanálise.
Lacan, por sua vez, um renomado psiquiatra utiliza de seus conhecimentos para entender o poder das palavras. O retorno a Freud feito por ele, parte da Interpretação dos Sonhos. O que era para o primeiro, uma prova do inconsciente, era para o segundo o ponto de partida, pois considera o sendo inconsciente estruturado como uma linguagem. Isto porque, segundo o pensamento de Freud, o sonho sempre quer dizer alguma coisa e precisa ser decifrado, isto porque é criptado, além de tratar de uma verdade do sujeito.
É comum no cotidiano das pessoas, ao final do dia muitas vezes, quando se deitam, terem a impressão de um dia intenso, e que hoje é comumente chamado de ‘estressante’. As agitações, as cobranças, as dúvidas e as decisões juntamente com as perdas e as angústias são acontecimentos frequentes na vida atual, mas não somente. Então, ao cair da noite, nem sempre o guardião do sono chega para apaziguar - o sonho. Como bem diz Freud: o sonho é a via régia do inconsciente[2], ou seja, com o relato do sonho se pode chegar à verdade do desejo do sujeito, uma via real e régia do inconsciente.
É através das leis do inconsciente que o sonho utiliza para realizar disfarçadamente um desejo do indivíduo. Por isso, a afirmação tão célebre e famosa de Lacan por volta dos anos 50 que, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, ou seja, o inconsciente do sujeito, ou melhor, o sujeito do inconsciente é definido através da linguagem. O que marca o lugar do sujeito é a fala dele, pois é a partir dela que surge a linguagem. Portanto, no campo teórico de Lacan, o sujeito é aquilo que um significante representa para outro significante.
O sucessor de Freud - Lacan - desenvolve sua teoria subvertendo parte do legado do linguista Ferdinand Saussure. Para este, uma palavra, ou melhor, um signo é representado por um significado sobre um significante:
Lacan, por sua vez, com seus inusitados matemas, inverte a fórmula de Saussure. Assim, portanto, ficando o significante na parte de cima e abaixo da barra o significado. Pois, o psiquiatra francês discorda da afirmação do linguista acerca da metalinguagem – linguagem sobre linguagem. Para Lacan não se pode falar de linguagem sem a linguagem:
E continua, para Jacques Lacan, o significante não se define por ele mesmo como afirmava Saussure em sua fórmula, mas sim, por outros significantes. Ou seja, a significação acontece a posteriori, numa pontuação. Pois, o significante em si não significa nada, o significante não é igual ao mesmo, e o que o define é a diferença, o outro. Diferentemente do sistema linear, da co-linearidade de Saussure, para Lacan, acontece o a posteriori, um conceito bem freudiano, em francês après-coup, que é traduzido muitas vezes por, só depois:
Por exemplo, quando uma pessoa diz: uma manga, não se sabe do que se trata a princípio, pois, pode estar se referindo a uma fruta, ou a uma parte da camisa, ou até mesmo uma parte ou porção de território na qual se cria animais - um pasto de criação. Portanto, quando esta pessoa continua e completa sua frase, se consegue entender o que se quer dizer: uma manga da camisa:
Portanto, a significação do significante acontece somente no a posteriori, é o resultado final da cadeia significante no momento em que se pontua, ou seja, onde a cadeia deu um nó - o que ela significa. A cadeia de significantes segundo o pensamento lacaniano pode ser considerada infinita, diferentemente da finitude da linearidade saussuriana, assim:
Sabe-se que nunca se consegue dizer realmente o que se quer, ou quando se diz não é bem o que se quer. Um exemplo disso é o fato de ser extremamente presente na nossa vida a utilização de metáforas e metonímias para expressar os pensamentos, emoções e desejos. Freud durante a construção de sua teoria do aparelho psíquico, a chamada metapsicologia, afirma o modo de funcionamento da mente humana, e é na Interpretação dos Sonhos - uma obra acabada em 1899, mas datada pelo autor em 1900 para não ser considerada uma obra do século passado - que ele apresenta a condensação, o deslocamento como ferramentas do aparelho psíquico na formação dos sonhos. Para ele, o inconsciente é regido por um funcionamento, as leis do inconsciente, as leis da linguagem como dito anteriormente: a metáfora e a metonímia.
A condensação está para a metáfora assim como o deslocamento está para a metonímia, no vocabulário lacaniano. Portanto, a primeira, repertoriada nos tropos do discurso como uma figura de estilo fundada em relações de similaridade, de substituição, ou seja, um grande número de ‘sentidos figurados’. E em termos psicanalíticos, consiste em designar alguma coisa por meio do nome de outra coisa, ou melhor, diz respeito a uma substituição de uma palavra por outra, ou como formula Lacan, uma substituição significante. O caráter desta substituição significante demonstra a autonomia do significante em relação ao significado e, por conseguinte, a supremacia do significante.
Já a segunda, a metonímia, em etimologia o termo significa mudança de nome – metonymia, uma figura de estilo de linguagem que é elaborada segundo um processo de transferência de denominação, e é o deslizamento das palavras, ou seja, é quando se diz algo na qual, a parte é representada pelo todo; ou uma relação de matéria a objeto; ou de continente a conteúdo; ou uma relação de causa e efeito.
Falar de metáfora e metonímia aqui no trabalho se faz importante não só por se tratar das leis da linguagem, como das leis do inconsciente, além de se fazerem presentes no cotidiano das pessoas de forma comum ao relatarem suas experiências ou quando descrevem uma situação qualquer: “Hoje eu noto que a minha vida é um quebra-cabeça”.[3]
O que adianta se passar um, cinco ou até mesmo vinte anos, se repetidamente, se recorda ou se pensa em algumas coisas que já aconteceram na vida. É como se àquilo, o dito passado, tivesse acontecido ontem ou hoje, portanto, se torna assim uma experiência atual, presente. Ou seja, como se o passado não fosse passado. O passado ainda não passou, e por isso, ele retorna. Retorna atualizado e na primeira oportunidade o indivíduo desaba, desaba em prantos ou sofre angustiado sem saber – sabendo inconscientemente - o que está acontecendo.
E o que importa o passado em nossas vidas? O passado importa como já diz a frase. Importa e é atualizado a todo o momento pelos acontecimentos atuais que sempre leva em consideração o que já vivemos – o já dito e chamado a posteriori. Quem nunca teve a sensação de já ter vivido um determinado momento e ao mesmo tempo ter a certeza de estar vivendo-o agora?[4] Pois é, se trata de uma sensação estranha, mas é familiar[5]. E quem já viveu, sabe como o é.
Não é nada surpreendente e muito menos novidade que, as fobias, a depressão, a anorexia e os demais sintomas por muitos considerados ‘atuais’[6], serem manifestações comuns nos Consultórios particulares e dos Serviços Públicos superlotados. E qual a melhor maneira de tratá-los? Refiro-me, ao desenrolar das entranhas do saber frente ao sintoma de cada um, os sintomas apresentados pelas pessoas. Aqui, diferentemente de outros saberes vizinhos, o sintoma é lido como uma marca, um compromisso, um companheiro na vida do sujeito. Algo que o sujeito não quer, mas não sabe como largá-lo. E se não tivesse um sentido por trás, bastaria nunca mais sofrer por aquilo, e seria, portanto, como virar uma página de um livro. E bem se sabe que as pessoas não se conhecem tão bem quanto elas presumem saber: o Eu não é senhor em sua própria casa[7], como já dizia Freud.
É claro que, seria muito mais fácil se houvesse uma receita, uma receita para fazer e resolver o problema da vida. Seria sim, mas que graça teria a vida, sem a dor, sem o sofrer e até mesmo sem a dúvida sobre a morte? Para que fazer algo hoje, se ainda tenho a vida toda? Ser mortal é ter um tempo, um tempo determinado de forma indeterminada. Sabe-se que a morte caminha ao lado, mas não se sabe o dia ou a hora em que ela chegará, muito menos como seja. E até lá, o que fazer? Como encontrar a felicidade, ou o caminho do sucesso na vida?
Viver não se resume em estar vivo - condição esta que é necessária para morrer - o ser humano a todo o momento é exigido a ocupar um lugar, tem desejos, frustrações e lembranças. Ele ocupa um lugar frente ao outro, ao desejo e a linguagem. Esta, que já se fazia presente antes mesmo do sujeito nascer - nem que seja pelo nome próprio escolhido pelos pais antes de seu nascimento -, e surge para a criança e para o adulto como um limite e assim, os inscrevem num mundo. Um mundo de mal-entendidos, de lapsos e que os diferenciam dos animais.
Ora, mas será que adianta ficar falando dos problemas durante meses ou anos? Ou não seria melhor deixar isso para lá, tentar esquecer – mesmo que seja uma tarefa impossível - e levar a vida? Pois é, falar daquilo que é seu, não é uma tarefa nada fácil, principalmente, porque não se sabe quem se é, e muitas vezes, se prefire reencontrar a lembrança inesperadamente no dia-a-dia a enfrentá-la semanalmente, durante o tratamento psicológico - a sua verdade. A verdade do sujeito, de cada sujeito, um momento de encontro com o “Tu és isto”, a cifra do seu destino mortal enquanto sujeito de desejo.
O tratamento psicanalítico, a chamada talking cure, é aquele que se dá através da fala do paciente e de suas associações livres na presença de um Outro, a do analista. Este propicia a cura no sujeito através da palavra, pois, o sujeito é um ser inscrito numa linguagem, e para expressar suas dores, suas angústias e suas afetações as expressa através de sua fala, do contrário, surge em seu corpo na forma de sintomas. Entretanto, trabalhar com a palavra como é feita nessa prática, não quer dizer que qualquer palavra ou conversa tenha o mesmo efeito. Esta, a Psicanálise, tem uma história baseada em observações clínicas com mais de 100 anos de experiência. Portanto, uma conversa que tem uma teoria que serve como ponto de ancoragem e de corroboração.
Na análise, a linguagem consiste em representar a presença de um real às custas da ausência desse real com tal. Isto porque, é próprio da articulação da linguagem evocar um real através de um substituto simbólico que opera infalivelmente uma cisão entre o real vivido e aquilo que vem significá-lo, a chamada associação livre. Mas quanto tempo demora um tratamento psicológico, ou melhor, psicanalítico?
Tudo na vida tem um tempo, assim como ela também é um tempo, no tratamento aqui proposto não seria diferente. Este demora um tempo que é chamado de atemporal, ou seja, não-cronológico. Não se cronometra em um relógio ou se marca num calendário o tempo total do tratamento dito psicanalítico. Pelo contrário, é o tempo do sujeito, é o tempo da travessia da fantasia, da destituição do sujeito suposto saber. A Psicanálise coloca o sujeito frente aos desafios vividos, numa tentativa de elaborá-los, de dar um novo sentido ao vivido – re-arranjar.
Portanto, para se fazer diferente é preciso primeiramente saber como se está fazendo, do contrário, se repete. Mas será que falar ou contar o segredo para alguém que não se conhece adianta? Alguém que nem sabe quem é aquela pessoa, como poderá ajudá-la então? O profissional - o Psicanalista - está ali para escutar, compreender e ajudar, mas jamais como um conselheiro, ou dono de uma verdade absoluta, ou uma espécie de decifrador de mentes. Não está ali para saber de sua vida, mas sim para ajudá-lo a sair desse sofrimento, ele é o chamado sujeito suposto saber.
O trabalho do Psicanalista não é uma tarefa fácil, e muito menos para qualquer um. Para se escutar a dor, o sofrimento, ou até mesmo o segredo da alma é preciso ocupar um lugar, um lugar de escuta. E, muitas vezes, escutar o que o próprio sujeito nunca escuta, e que o silêncio entra ali como um aliado na conversa a dois. Uma conversa que não se rebaixa a um bate-papo, pelo contrário, se trata de uma conversa endereçada a um Outro que, atenta flutuantemente, o dizer de um sujeito que relata as experiências vividas ao longo de sua vida, produzindo a partir de então, o diagnóstico estrutural frente ao sujeito falante, com suas marcas e suas cores dos seus momentos experienciados – o trabalho analítico.
Aqui, portanto, o diagnóstico não é categórico e a receita não é dada pelo Psicanalista. A universalidade teórica se traduz na particularidade de cada sujeito na sua forma singular de viver. O remédio pode até ajudar, mas dificilmente irá resolver no âmago da questão. O tratamento psiquiátrico tem sua parcela de contribuição sim, e não se questiona o seu mérito. Pode sim, amenizar ou paliar as manifestações, mas se sua dor se origina de uma perda, o ‘azulzinho’ ou as bolinhas impossivelmente trará de volta o objeto perdido. É uma espécie de soterramento das idéias[8] ou dos sintomas a ação do remédio, ajuda a recalcar, ou seja, a esconder de si própria verdade.
E o que fazer com a dor, a angústia e o sofrer? Não há receita para a vida, pois se existisse ninguém ficaria triste ou sofreria por algo. Muito pelo contrário, seria feliz e cada dia mais feliz ainda, vivendo saltitante de alegria. E como sabemos que a felicidade é passageira e que, muitas vezes, a tristeza não tem fim, por que não escutar o sofrer?
Escutar ou ser escutado é diferente de ouvir e ou ser ouvido. Só se sabe o que as pessoas pensam ou vivem, se elas se propuserem a falar disto. Afora isso, é impossível ler os pensamentos ou fazer adivinhações. Por outro lado, também se sabe que não é uma tarefa nada fácil contar de si para um Outro. É uma ambiguidade contraditória, pois ficaria difícil afirmar o que seria mais fácil ou menos difícil se fosse possível comparar a dor do falar com a dor do calar. Talvez, se render as alterações cerebrais dos fármacos se torne menos difícil a tirar a poeira das lembranças vivas. Esconder os sintomas e não traduzi-los num primeiro momento é menos pior. Mas o problema aparece no não resolvido, pois o que não se resolve retorna novamente no futuro, com a mesma, ou até com mais intensidade de sofrimento no futuro. O que freudianamente é chamado do retorno do recalcado. Portanto, por quanto tempo aprisionar a vida por uma ‘poção mágica’ ao passo que se pode tentar uma libertação do prisioneiro da alma?
Pois é, esta é uma pontuação importante, e para enriquecer a discussão - entre o tratamento psicanalítico, o modismo dos fármacos, os conceitos fundamentais da psicanálise e a linguagem - acrescenta-se no presente trabalho, um trecho de um caso clínico atendido no Consultório particular. Salienta-se o encurtamento das sessões e dos trechos citados não somente pelo sigilo ético, como também por não se fazer necessário maior exposição no trabalho em questão, pois não se trata de um estudo de caso, é apenas um parêntese para colorir a discussão.
Então, após uma consulta médica - e a falta de explicação e de cura por parte deste saber - surge o encaminhamento para a Psicologia, depois do posicionamento dos pais contra a indicação de encaminhamento para a Psiquiatria. Estes, contra-argumentaram com a doutora a não aceitação da possibilidade de uma criança, com quatro anos, fazer uso de medicação controlada tendo em vista o sintoma - um medo excessivo de balões. Como muito se vê nos dias de hoje, o divã analítico é a lata de lixo dos psiquiatras.
Como pode uma criança ter medo e ficar num estado irreconhecível ao estar presente num local que tenha balão de festa. O pequeno não conseguia ficar frente ao objeto fóbico e isso acarretava um descontrole do esfíncter, ele urinava e liberava as fezes. Com o início do tratamento psicanalítico, durante as sessões, a criança adorava fazer desenhos e ao final pronunciava algumas palavras. Para ela, não era só os balões, mas também fogos de artifício e o carro de policia que se tornavam aterrorizantes. O trabalho analítico organizou os momentos da vida deste pequeno amedrontado:
A partir do diagrama acima, se pode ter uma idéia inicial da construção imaginária da criança. Certa vez, quando os pais o deixaram na casa de sua avó materna, esta utilizou de uma ameaça para conseguir a obediência da criança: “Se você não fizer o que estou lhe pedindo, vou chamar a polícia para roubar você de sua mãe”. Fato este que deixou a criança num estado de pânico relata a mãe, quando chegara na casa da avó para buscar o filho. Passados alguns dias, o pai leva seu filho ao estádio de futebol, uma final de campeonato do interior. Depois do início da partida, foguetes estouram com a entrada dos times em campo, e em seguida acontece uma confusão entre torcedores, na qual se fez necessário a intervenção da polícia militar. Esta, por sua vez, disparou alguns tiros de revólver e prendeu alguns torcedores. O pai relata que o filho ficou bastante impressionado com a cena vivenciada, a prisão dos torcedores e a retirada deles do estádio, assim também com o foguetório.
Nesse meio tempo, um fato importante, sua mãe estava grávida, uma barriga considerável. A genitora relata que o pequeno sempre a questionava em relação a sua barriga, o bolão. E esta, por sua vez, respondia: “É o bebê da mamãe!”. A criança não somente não entendia como poderia ter um bebê ali dentro daquela bola, ou melhor, dentro da barriga, como também não aceitava a idéia de ter que dividir a atenção e o carinho dos pais com um outro ser.
Numa outra oportunidade, eles estavam numa lanchonete - a mãe grávida e seu filho, o paciente – quando passa o carro da polícia, e novamente o filho fica muito assustado e pede para ir embora. Com o passar dos dias, a mãe sofre um aborto espontâneo e perde o bebê. De uma hora para outra, a barriga desaparece, ou melhor, “o bolão estoura”, como muito bem diz o paciente. Através dos desenhos feitos pelo pequeno e pelas poucas, mas sábias palavras, acontece a desconstrução de um sintoma, o medo excessivo de balão de festa, o medo dele estourar acabou.
O pequeno paciente, no seu imaginário constrói toda uma estrutura sintomática e que através da sessão analítica, o brincar, ele consegue expressar as suas experiências vividas. Cada significante dito durante as sessões pelo paciente só tinha significado a partir de outro significante. As leis do inconsciente, a metáfora e a metonímia, se fizeram presente na vida do pequeno, como bem se pode ver no diagrama acima construído a partir das cenas vividas pelo paciente.
Quando, na primeira sessão, a mãe e seu filho chegam ao Consultório e endereçam o sintoma s(A) - medo de balão - ao analista (no grafo do desejo representado pela letra A) acontece uma identificação do eu do paciente, a letra m no grafo, ao eu do analista, i(a). A transferência na análise é de suma importância, não somente por se tratar do motor da análise, mas por ser a resistência mais poderosa a ser vencida. Esta, acompanha o tratamento passo a passo. Aqui se diferencia toda terapia, ou tratamento psicológico, da Psicanálise - pois o segundo andar do grafo do desejo construído por Jacques Lacan - o questionamento do desejo, o não responder a demanda endereçada pelo paciente, é o chamado segundo momento da análise, a análise de verdade.
Por amor ao terapeuta o sujeito melhora ou piora para ficar com ele. O analista responde de outro lugar, o do desejo – no grafo representado pelo d, à questão do desejo é lançada ao analista. Isso faz com que o tratamento passe para o segundo andar do grafo. Que tipo de ajuda o analista pode me dar? O desejo de saber, $◊D, a pulsão do saber do paciente – o gozo fixado. Surge então, o desligamento, a repetição do sujeito. O momento que reconhece a falta no Outro, o significante da falta do Outro, S(A), até que chegue o dia em que não precisa mais voltar à sessão, ou seja, o dia em que ele passa pela fantasia, S◊a e que destitui o analista desse lugar de sujeito suposto saber. O grafo completo do desejo, segundo Lacan:
A primeira vista um comportamento inadequado, como se diz por aí. A Psicanálise não é totalmente uma ciência porque ela é um novo saber, ou seja, é mais que uma ciência porque é real, fruto do real. O Consultório Psicanalítico é a maior evidência dela, diferentemente dos mapas cerebrais e dos laboratórios que hoje se intitulam como sendo a evidência da ciência e dos fatos. O momento em que se tira, ao estar presente numa sessão de psicanálise é algo raro. É o momento em que o paciente fica diante de si, o encontro com sua verdade, com seu desejo e com suas limitações. É raro também por não ser um momento para todos, pois nem todos estão dispostos a pagarem o preço de um tratamento psicanalítico. Não se trata aqui, do preço da sessão, mas sim, do preço do sintoma. O preço do gozo, o gozo que o sujeito abriu mão de viver e que o remédio de certa forma o devolve. O tratamento psicanalítico é o chamado pagar para ver, ou melhor, para se escutar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOR, J. Introdução a leitura de Lacan.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.
FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. IV e V.
________ (1901). Psicopatologia da Vida Cotidiana. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol.VI, p. 261.
________ (1907[1906]). Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. IX.
________ (1910). Cinco Lições de Psicanálise. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. XI.
________ (1919). O estranho. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. IX.
GREEN, A. La nueva clínica psicoanalítica y la teoria de Freud: Aspectos fundamentales de la locura privada. Buenos Aires: Amorrotu, 1993.
Lacan, J. Metáfora e Metonímia. In: Seminário
Quinet, A. A Descoberta do Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2000. [1] FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.
[2] FREU, S. (1900). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Ed. Standard. 1900, Vol. IV e V.
[3] Frase de uma paciente do Consultório.
[4] FREUD, S.(1901). Psicopatologia da Vida Cotidiana. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. VI, p. 261.
[5] FREUD,S. O Estranho. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol.IX.
[6] M GREEN, A. La nueva clínica psicoanalítica y la teoria de Freud: Aspectos fundamentales de la locura privada. Buenos Aires: Amorrotu, 1993.
[7] FREUD, S. (1910). Cinco Lições de Psicanálise. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XI.
[8]“Numa analogia existente entre o destino histórico de Pompéia e os eventos mentais que eram familiares a Freud, ele afirma que o soterramento das ideais se resolve com a escavação, e esta é feita pela análise” (FREUD, (1907[1906]), p.16).
Nenhum comentário:
Postar um comentário