Bem dito
A rua localizada atrás da Igreja, com suas pedras
escravas que machucava os pés quando jogávamos futebol à tarde, foi o palco de
nossa infância. Os pássaros e as flores sentirão saudade da rotina diária de
seus admiradores, como a escuridão nas janelas daquele lugar que antes fora
movimentado. A saudade à mostra, mas jamais satisfeita por aqueles que ficaram.
Ao virar a esquina que já foi tanta coisa, está a
velha casa. Esta, com seus cômodos apertados e cheio de móveis que faziam um
labirinto pela casa, por muitos anos abrigou uma família calorosa. O corredor
de entrada, apertado por onde passávamos todos os dias, prendendo as janelas,
descansarão do vai-e-vem da família. A chegada pela cozinha apertada servirá
agora de saída para o novo lar. As vozes das funcionárias, da clínica ao lado,
ao falar na cozinha não terão mais nossos ouvidos como cúmplices. Não se
esquecendo do abacateiro, da goiabeira e das bananeiras que muito nos
alimentavam nas tardes de ócio.
Na sala sempre cheia de homens, com os gritos de
gol que, assusta a mãe ecoará o silêncio do vazio dos cômodos. Seus móveis, os sobreviventes,
amontoados representando a história a ser levada na mala para a nova casa. Nem
mesmo acreditamos nos ver livre do telhado, que em dia de chuva sempre estava
disposto a nos pregar uma peça. Coitado daquele que dormia perto da janela,
podia ser acordado com gotas geladas da chuva. Talvez, a culpa fosse da árvore,
que em dia de sol quente nos servia de estacionamento tão disputado.
O som do latido quando alguém transparecia no
portão, agora vai nos deixar saudade. Esse, o estimável, também mudará para
outra casa. A casa amarela ao fundo, que a cada dia entortava mais um pouco
será motivo de saudade. As palmas, os gritos e os pedidos no portão não terão
mais os incansáveis moradores pacientes que atendia um a um que chegava. Achei
que isso nunca fosse acontecer, mas até mesmo o mosquito – o perseguidor - que
sempre nos fazia companhia sentirá saudade das pernas que agora caminha dando
adeus.
A velha casa da Blokos,
agora reformada ou construída, apreciará a família agitada que planejou uma
forma de morar lá. Os traços em grafite no papel antes em branco, riscados
pelos quatros D, ilustram a coragem e
a vontade em agradecer a oportunidade de realizar os sonhos a cada lajota
erguida. A cada dia que passa vai ganhando forma e se torna realidade o
projeto.
Ainda, praticamente, se pode falar que moramos na
mesma rua, porém na outra extremidade de sua ponta, no final da reta. O
condomínio, agora tem uma nova família. A rotina diária da antiga casa será
re-escrita, no novo lar que existe na expectativa de chegar o dia de mudar. Na
rua D, agora Carlos Gomes, casa 42, será o novo palco das histórias...
01:45h
29.08.08
Demoner.